A
prática da leitura se faz presente em nossas vidas desde o momento em que
começamos a "compreender" o mundo à nossa volta. No constante desejo
de decifrar e interpretar o sentido das coisas que nos cercam, de perceber o
mundo sob diversas perspectivas, de relacionar a realidade ficcional com a que
vivemos, no contato com um livro, enfim, em todos estes casos estamos, de certa
forma, lendo - embora, muitas vezes, não nos demos conta.
A
atividade de leitura não corresponde a uma simples decodificação de símbolos,
mas significa, de fato, interpretar e compreender o que se lê. Segundo Angela
Kleiman, a leitura precisa permitir que o leitor apreenda o sentido do texto,
não podendo transformar-se em mera decifração de signos linguísticos sem a
compreensão semântica dos mesmos.
Nesse
processamento do texto, tornam-se imprescindíveis também alguns conhecimentos
prévios do leitor: os linguísticos, que correspondem ao vocabulário e regras da
língua e seu uso; os textuais, que englobam o conjunto de noções e conceitos
sobre o texto; e os de mundo, que correspondem ao acervo pessoal do leitor.
Numa leitura satisfatória, ou seja, na qual a compreensão do que se lê é
alcançada, esses diversos tipos de conhecimento estão em interação. Logo,
percebemos que a leitura é um processo interativo.
Quando
citamos a necessidade do conhecimento prévio de mundo para a compreensão da
leitura, podemos inferir o caráter subjetivo que essa atividade assume.
Conforme afirma Leonardo Boff,
cada
um lê com os olhos que tem. E interpreta onde os pés pisam. Todo ponto de vista
é a vista de um ponto. Para entender o que alguém lê, é necessário saber como
são seus olhos e qual é a sua visão de mundo. Isto faz da leitura sempre um
releitura. [...] Sendo assim, fica evidente que cada leitor é co-autor.
A
partir daí, podemos começar a refletir sobre o relacionamento leitor-texto. Já
dissemos que ler é, acima de tudo, compreender. Para que isso aconteça, além
dos já referidos processamento cognitivo da leitura e conhecimentos prévios
necessários a ela, é preciso que o leitor esteja comprometido com sua leitura.
Ele precisa manter um posicionamento crítico sobre o que lê, não apenas
passivo. Quando atende a essa necessidade, o leitor se projeta no texto,
levando para dentro dele toda sua vivência pessoal, com suas emoções,
expectativas, seus preconceitos etc. É por isso que consegue ser tocado pela
leitura.
Assim,
o leitor mergulha no texto e se confunde com ele, em busca de seu sentido. Isso
é o que afirma Roland Barthes, quando compara o leitor a uma aranha:
[...]
o texto se faz, se trabalha através de um entrelaçamento perpétuo; perdido
neste tecido - nessa textura -, o sujeito se desfaz nele, qual uma aranha que
se dissolve ela mesma nas secreções construtivas de sua teia.
Dessa
forma, o único limite para a amplidão da leitura é a imaginação do leitor; é
ele mesmo quem constrói as imagens acerca do que está lendo. Por isso ela se
revela como uma atividade extremamente frutífera e prazerosa. Por meio dela,
além de adquirirmos mais conhecimentos e cultura - o que nos fornece maior
capacidade de diálogo e nos prepara melhor para atingir às necessidades de um
mercado de trabalho exigente -, experimentamos novas experiências, ao
conhecermos mais do mundo em que vivemos e também sobre nós mesmos, já que ela
nos leva à reflexão.
E
refletir, sabemos, é o que permite ao homem abrir as portas de sua percepção.
Quando movido por curiosidade, pelo desejo de crescer, o homem se renova
constantemente, tornando-se cada dia mais apto a estar no mundo, capaz de compreender
até as entrelinhas daquilo que ouve e vê, do sistema em que está inserido.
Assim, tem ampliada sua visão de mundo e seu horizonte de expectativas.
Desse
modo, a leitura se configura como um poderoso e essencial instrumento
libertário para a sobrevivência do homem.
Há,entretanto,
uma condição para que a leitura seja de fato prazerosa e válida: o desejo do
leitor. Como afirma Daniel Pennac, "o verbo ler não suporta o
imperativo". Quando transformada em obrigação, a leitura se resume a
simples enfado. Para suscitar esse desejo e garantir o prazer da leitura,
Pennac prescreve alguns direitos do leitor, como o de escolher o que quer ler,
o de reler, o de ler em qualquer lugar, ou, até mesmo, o de não ler.
Respeitados esses direitos, o leitor, da mesma forma, passa a respeitar e
valorizar a leitura. Está criado, então, um vínculo indissociável. A leitura
passa a ser um imã que atrai e prende o leitor, numa relação de amor da qual
ele, por sua vez, não deseja desprender-se.
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